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Artigos de opinião

A Tempestade das Taxas Euribor

A subida das taxas de juro não deixará de se refletir na dinâmica do mercado residencial
29 Aug 2024

No dia 26 de outubro de 2023, e pela primeira vez desde 21 de julho de 2022, data em que começou um ciclo de dez reuniões consecutivas das suas três taxas diretoras, o BCE manteve estáveis as taxas de referência que utiliza para a condução da política monetária na zona euro.

Entre as taxas diretoras do BCE, as mais importantes para a condução da política monetária são a taxa de remuneração dos depósitos que os bancos fazem no próprio BCE (neste momento em 4%) e a taxa aplicável às principais operações de refinanciamento dos bancos pelo BCE (neste momento em 4.5%).

Desta forma, e porque o BCE atua como “o banco dos bancos”, é fácil de entender porque as taxas euribor são atraídas para o intervalo entre estas duas taxas diretoras. Assim, no final de outubro de 2023, as euribor médias encontram-se entre os 4.0% e os 4.2%.

Em 21 meses, as euribor médias subiram cerca de 4.6%. Ora no historial do euro, como moeda com existência desde 1999, tal subida de taxas de juro não tem paralelo. Em comparação, nos dois episódios anteriores de subida de taxas das euribor, o aumento foi de 2.5%, nos 18 meses entre maio de 1999 e novembro de 2000, e de 3.0%, nos 36 meses entre setembro de 2005 e setembro de 2008.

A relevância desta subida rápida é particularmente sentida num mercado como Portugal onde a generalidade do crédito à habitação (CH) em vigor tem taxa variável e o impacto da subida das euribor no valor das prestações no CH foi exacerbado pelo ponto de partida anormalmente baixo das euribor, as quais eram negativas em janeiro de 2022.

Assim, os CH com maturidade de 40 anos que foram contratados nesse mês, quando ajustarem por completo para as euribor atuais, terão visto a sua prestação mensal subir cerca de 110%. Os aumentos equivalentes para os CH com 35 anos de maturidade, contratados na mesma altura, serão superiores a 95%; enquanto os CH com 30 anos de maturidade inicial verão a sua prestação subir cerca de 80%.

Conforme mencionado, os valores correspondentes foram substancialmente inferiores nos dois episódios anteriores de subida das taxas euribor. Bastará referir que, no caso dos CH a 40 anos, as subidas no valor da prestação mensal nos dois episódios anteriores foram de 40% e 50%, respetivamente.

Enquanto a taxa de desemprego se mantiver em níveis baixos, será possível encontrar soluções para as dificuldades das famílias resultantes da inflação elevada e da subida das taxas de juros (por exemplo, enquadradas no DL 91/2023 ou, em alternativa, no DL 80-A/2022), não sendo previsível que se verifique um aumento significativo do incumprimento no crédito para habitação própria e permanente.

No entanto, a subida das taxas de juro não deixará de se refletir na dinâmica do mercado residencial. Até recentemente era consensual a constatação que havia mais procura de imóveis para habitação do que havia oferta. Essa situação de mercado explica o aumento de preços acentuado que se verificou desde 2012 até ao final de 2022 e, sobretudo, depois de 2016, quando as euribor passaram a valores negativos.

Segundo os números divulgados pelo INE, a venda de habitações novas manteve-se estável no período entre 2012 e 2020, dentro de valores que oscilaram entre as 20 mil e as 24 mil habitações, e subiram para 27 mil habitações em 2021 e para 30 mil em 2022.

Esta relativa estabilidade no número de habitações novas transacionadas entre 2012 e 2022, contrastou marcadamente com o aumento do número de transações de habitações existentes (usadas) que teve um mínimo de 43 mil em 2012, mas que atingiu as 138 mil nos anos de 2021 e de 2022.

Com a subida acentuada das taxas de juro é de esperar um maior equilíbrio entre oferta e procura de habitações, mesmo na ausência de um aumento significativo de nova construção. E também será expetável que venha a registar-se uma redução mais acentuada das transações de habitações, incidindo particularmente no segmento de mercado dos imóveis usados os quais, no primeiro semestre de 2023, tiveram já uma queda homóloga de 24%. Tal deverá reconduzir as transações totais de habitações (novas e usadas) em 2023 para um valor próximo daquele que foi registado em 2017.

 

Artigo de José Carlos Tomás - Diretor Desenvolvimento Novos Negócios Eupago